Apesar de pouco
difundida, a literatura sergipana se mostra, persistentemente, como
uma admirável fonte de produções ricas em seu conteúdo, e que
podem facilmente ser utilizadas como um retrato de uma época. “Os
Corumbas”, de Amando Fontes, se encaixa precisamente neste patamar,
relatando de forma crua e consistente a realidade de toda uma geração
sofrida que, para não se sujeitar de uma vez a miséria, se submetia
a desumana realidade das fábricas de algodão recém construídas na
Capital sergipana nas primeiras décadas do século XX.
O
autor da obra, Amando Fontes, nasceu na cidade de Santos, São Paulo,
em 15 de maio de 1899. Ainda bebê ficou órfão de pai, o que
proporcionou o retorno da sua família a cidade de Aracaju/SE, de
onde era originária. Ao decorrer da vida foi jornalista, advogado e
deputado estadual. Residiu não somente na capital sergipana, tendo
passagens nas cidades do Rio de Janeiro, Salvador e Curitiba. Como
romancista, escreveu apenas duas obras. Além de “Os Corumbas”,
lançado em 1933, que recebeu vários elogios dos críticos da época,
Fontes também possui publicado o livro “Rua Siriri”, menos
conhecido em relação ao primeiro.
A
história narrada em “Os Corumbas”, tem início com a união dos
ainda jovens Geraldo Corumba e Josefa, que se conhecem em meio a
Festa de São José, no interior do estado de Sergipe, de onde são
oriundos. Apaixonam-se e por fim se casam. Os anos se passam, nascem
os primeiros filhos e as primeiras dificuldades, forçando a família
já constituída a realizar sua primeira fuga ante a miséria, se
instalando no Engenho Ribeira, no município de Capela.
Longos anos se
passam, mais filhos nascem, possuindo a família Corumba no total
cinco filhos, sendo quatro moças e um rapaz. Com a baixa no preço
do açúcar, as dificuldades voltam a assolar a casa de Geraldo e Sá
Josefa. É nesse momento que surge a ideia da migração da família
rumo a cidade de Aracaju, que prometia, com suas fábricas de tecido,
uma vida melhor para todos. Mas, ao contrario do que foi planejada,
a partida dos Corumbas para a capital sergipana trouxe somente
sofrimento, separação, morte, vergonha e desilusão.
Estabelecidas
em Sergipe entre o final do século XIX e o início do século XX, a
Companhia Sergipana de Fiação e a Empresa Têxtil do Norte,
conhecidas popularmente como Sergipana e Têxtil, fizeram
resplandecer na cidade de Aracaju uma numerosa classe operária, que
residia fora do “Quadrado de Pirro” da capital, nos bairros de S.
Antônio, Carro Quebrado (hoje bairro São José), Fundição, Aribé,
dentre outros. Nas descrições realizadas na obra de Amando Fontes,
a maioria dos trabalhadores das fábricas era constituída de
mulheres, que vinham de toda a parte do território sergipano: “Eram
praieiros de São Cristóvão e Itaporanga; camponeses do Vaza-
Barris, da Cotinguiba; sertanejos de Itabaiana e das Catingas
(...)”(p.19) que “Iam em busca do pão negro. Um negro pão, que,
a troco do trabalho, lhes forneciam as fábricas de Tecido” (p.18).
As
longas jornadas de trabalho, o escasso salário, o abuso dos
superiores, presentes no dia a dia da família Corumba, são um
retrato do operariado da capital sergipana nas primeiras décadas do
sec. XX. Por outro lado, poucos ousavam expor a sua insatisfação,
com medo de perderem seus empregos, e com isso, a única fonte de
renda. Fontes faz questão de acrescentar em seu livro a primeira
greve estabelecida em Aracaju, que no final acarreta a deportação
de vários revoltosos. Entre eles, estava um dos filhos de Gerado
Corumba, Pedro, para a tristeza e amargura de toda a família.
Um
dos aspectos que chama mais a atenção em “Os Corumbas”, é
exatamente a dispersão de todos os filhos da família. Além de
Pedro, que foi arrancado do seio familiar devido aos seus ideais
revolucionários, o leitor acompanha, por vezes aflito, o triste
destino das outras quatro filhas do casal Geraldo e Josefa. Uma delas
acaba morrendo devido à falta de condições que a família possuía
em cuidar das suas enfermidades. As outras três, em busca de um
amor, acabam “se perdendo”, isto é, perderam a virgindade, e com
isso, a honra. Por fim não vêem outra alternativa a não ser ganhar
a vida com a prostituição.
Podemos
considerar a cidade de Aracaju como uma das protagonistas da obra de
Amando Fontes. Por um momento, as descrições mostram uma cidade
feia e cinzenta ante a imponência das chaminés das fabricas, a lama
das ruas, e os trapos no qual os operários se vestem. Por outro lado
vemos uma Aracaju ensolarada, com seus bondes e suas festas, feiras e
procissões, hoje, em grande parte, extintas.
Os
Corumbas
não é um livro que narra uma história feliz, nem muito menos de
superação. É uma obra que expõe as mazelas de milhares de pessoas
que, ao tentarem buscar uma vida melhor “na cidade grande”,
acabaram por encontrar uma realidade tão miserável quanto à
existente no interior. É uma obra que nos faz refletir o preço que
muitos pagaram pelo progresso da capital sergipana, e que hoje dormem
no mais profundo esquecimento.
Referências
Bibliográficas:
FONTES, Amando. Os Corumbas- 22 edição. Rio de Janeiro: Ed. José Olympio, 1999.
SOUSA,
Antônio Lindvaldo. Temas de História de Sergipe II. São
Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe/ CESAD 2010.